1.11.10

DIA DOS BOLINHOS

Na minha meninice, desconhecia completamente o carácter supostamente sagrado do dia de hoje e apenas ficava alerta quando a minha mãe ou o meu pai dizia que era dia dos bolinhos. Novidade que na maior parte dos casos era dada no dia anterior, e depois de uma primeira aventura, corado e tímido, por volta dos cinco anos, a história começou a repetir-se nos anos subsequentes e até já servia de brincadeira, depois já com a companhia dos meus irmãos.
Vestia-se o melhor fato, muito bem penteadinhos e de sorriso nos olhos lá íamos apregoando a nossa humildade orgulhosos. Ainda não se usava o plástico, e os saquitos de pano, feito de restos de roupa que se tinha estragado, iam acolhendo as passas de figo, de uva, de pêssego, alperce ou ameixa, as nozes, amêndoas, pinhões, alguma brindeira e raramente algumas avelãs, uma ou outra romã. Para os tremoços havia um saco específico. Era ver os garotos e garotas a bater às portas "bolinho, bolinho, à porta de todo o santinho", embora houvesse outros dizeres diferentes, havia que se referisse ao "pão por Deus". Em bandos, cada qual recebia o seu quinhão e não havia zaragatas porque era dia santo, assim nos recomendavam os nossos pais. Depois começaram a aparecer os sacos de plástico, chegou a idade e eu fui retirado das lides porque já era muito grande (como se eu alguma vez tivesse sido grande!) iam os meus irmãos e outros das novas gerações e eu ficava com um brilho nos olhos à espera que regressassem.
Cada vez havia mais sacos de plástico, mas menos sacos no total e menos crianças, e quando aparecia um a bater à nossa porta rejubilávamos de alegria, porque os pobres que pediam eram os mesmos que também davam. Depois em vez de tremoços ou nozes começaram a dar umas moedas pretas, de tostão, ou brancas de cinco tostões. Aos poucos os grupos com dezenas de crianças foram desaparecendo, quando muito um trio ou um par, lá vinha com o seu saquito às costas e de ladainha nos lábios. Os pais ganharam preconceittos e pensaram que pedir era uma vergonha e que dar era um crime, muito embora todos dessem e todos pedissem, sem caracter caritativo, mas de comunhão!
Foi-se perdendo a tradição (eu digo, prostituindo a tradição), e agora temos a noite das bruxas que não nos diz nada, a não ser fazer lembrar os autos de fé! Hoje quando acordei senti uma emoção dolorosa (os homens também choram!) e esperei... esperei que uma criança atrevida subisse a escada e me batesse à porta aos gritos: "Bolinho, bolinho". Ainda que viva na cidade tinha lá umas nozes, umas amêndoas, umas passas de figo e de uva para dar ao corajoso que não estivesse amordaçado por esta sociedade consumista, e tivesse a ousadia e o orgulho de me acordar, "Bolinho, Bolinho" e que eu despertasse meio estremunhado e dissesse "É verdade, hoje é dia dos bolinhos"!

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